Cepticismo Filosófico

Cepticismo Filosófico é uma atitude critica que questiona sistematicamente a noção de que o conhecimento e certeza absoluta são possiveis, seja de um modo geral ou num campo particular. Opõe-se ao dogmatismo filosofico, que defende um conjunto de afirmações autoritárias, certezas absolutas e verdades.

Deve tambem ser distinguido do cepticismo ordinário, em que se duvida de certas crenças ou tipos de crenças porque as provas são fracas ou não existem. Estes cépticos não são crédulos ou ingénuos. Não aceitam algo baseados na confiança ou fé, mas teem de ter provas antes de acreditar. Duvidam de milagres das religiões, de raptos por extraterrestres, parapsicólogos, etc. Mas não acreditam necessariamente que a certeza ou o conhecimento  total é possivel.

Por outro lado,  os Cépticos Filosóficos podem ser muito crédulos. O que conhecemos dos antigos vem de Sextus Empiricus, que floresceu por volta do ano 200, e que acreditava, entre outras coisas, que alguns animais não se reproduziam mas se originavam no fogo, vinho, lama, etc.

O Cepticismo Filosófico é muito antigo. Por exemplo, o sofista Gorgias (483-378 aC) afirmava que nada existe, ou se algo existe não pode ser conhecido, ou se algo existe e pode ser conhecido não pode ser comunicado. Gorgias, contudo, é mais conhecido como sofista do que como céptico filosófico. Pirro (c. 360-c.270 aC) é geralmente considerado o primeiro céptico da filosofia ocidental. Pouco se sabe dele e dos seus discipulos, ou dos nomes seguintes da história do Cepticismo, Arcesilaus (ca. 316-241 aC) e Carneades (214-270 aC), cada um dos quais dirigiram a Academia fundada por Platão. O primeiro grupo eram os Pirronistas, o segundo os Académicos. Nenhum deles defendeu uma solução tão nihilista como a defendida por Gorgias.

Outros sofistas podem ser vistos como Cépticos Filosóficos. Por exemplo, Protágoras (480-411 aC) disse que "O homem é a medida de todas as coisas." Esta afirmação, geralmente, é interpretada como dizendo que não existe um padrão ou valor absolutos e que cada pessoas é o padrão de verdade para todas as coisas. Quando aplicada a regras morais, é conhecida como relativismo moral, um tipo de cepticismo que nega qualquer valor moral absoluto.

O cepticismo de Gorgias baseava-se na sua crença de que todo o conhecimento se origina na experiência dos nossos sentidos e essa varia de pessoa para pessoa, de momento para momento. A isto poder-se-ia chamar Cepticismo Sensorial, a posição filosófica de que não podemos ter a certeza de nada que se baseie nos nossos sentidos. Ao longo da história da filosofia, os argumentos demonstrando a falibilidade dos nossos sentidos floresceram, mesmo entre Dogmáticos como Platão e Descartes. Um argumento comum é que o que percebemos através dos sentidos não pode servir com fidelidade para o que está realmente para lá das aparências. O materialista Democritus  (460-370 aC), contemporaneo de Gorgias e não considerado céptico, apresentou este argumento.

Através da história da filosofia, os cépticos sensoriais argumentaram que só percebemos coisas como parecem a nós, e não podemos saber o que causa essa aparência. Se é que existe um saber sensorial, ele é sempre pessoal, imediato e mutável. Qualquer inferência das aparências é sujeita a erros e não temos meio de saber se essa inferência ou julgamento está correcto. Contudo, estes argumentos não impediram muitos cépticos de avançar na defesa do probabilismo em relação ao conhecimento empirico. Nem o cepticismo sensorial impediu dogmáticos de procurar a verdade absoluta noutro lado, nomeadamente na Razão ou na Lógica.

Talvez o maior criticismo da possibilidade da verdade absoluta seja o argumento céptico quanto ao critério da verdade. Qualquer critério usado para julgar a verdade de uma afirmação pode ser desafiado pois é necessário um critério superior para julgar o critério usado, e assim sucessivamente até ao infinito. Este argumento não deteve filósofos como Platão e Descartes de afirmarem ter encontrado um critério absoluto de verdade. Enquanto a maioria dos cépticos rejeitariam a noção de tal critério existir como eles pretendem, a maioria aceita provavelmente os argumentos de Santo Agostinho e outros que afirmam existirem certas afirmações absolutamente certas, mas essas são assuntos de Lógica e não teem a ver com o estabelecimento da certeza de afirmações da nossa percepção imediata.

Os antigos cépticos não concordavam sequer com os assuntos fundamentais, tais como certeza e conhecimento serem possiveis. Alguns acreditavam que sabiam que a certeza não era possivel; outros afirmavam que não sabiam se o saber era possivel. A posição de alguem que defende que o conhecimento é impossivel parece ser auto-refutado. O ponto de vista que afirma que não sabe se o saber é possivel é consistente com a noção de que faz sentido tentar saber, mesmo se não temos a certeza de atingir esse conhecimento. E, enquanto antigos cépticos pareciam advogar a ideia de que o não ter opiniões fortes é algo bom, muitos pareciam manter que quando existem fortes provas apoiando a probabilidade de uma posição sobre outra, então aquela era desejável. A maioria deles parecia não aceitar que, como não podemos ter a absoluta certeza de algo, deviamos suspender julgamento sobre todas as coisas. Tal principio negar-se-ia a si próprio. Pois que, de acordo com ele, não o devemos aceitar mas suspender julgamento sobre ele. Suspender o julgamento sobre afirmações deve ser reservado para aquelas sobre as quais nada sabemos, ou não podemos saber, e para aquelas em que as evidencias estão equilibradas nos opostos. Pode ser verdade que nada é absolutamente certo, mas não é verdade que todas as afirmações são igualmente prováveis. Uma pessoa razoável usa a probabilidade como guia para o que acredita, não a certeza absoluta, de acordo com os cépticos filosóficos.

A palavra grega skeptikoi significa os que procuram ou os que perguntam. Socrates, que afirmava que a unica coisa que sabia era que nada sabia, usava frequentemente a palavra "Skepteon," significando que devemos investigar isto. Os Pirronistas buscavam a verdade, mesmo se na maior parte do tempo buscavam argumentos contraditórios às posições dogmáticas de outros filósofos, como os Estóicos ou os Epicureanos. Nos pontos em que argumentos e contraargumentos se igualavam, defendiam que se devia suspender o julgamento. Aparentemente, pensaram que tal posição estava de acordo com o seu desejo de paz de espirito (ataraxia). Pois são os dogmáticos que se agitam quando não possuem a verdade que deviam possuir ou quando os outros recusam aquilo que eles sabem ser a verdade.

A outra escola antiga de Cépticos, os Academicos, rejeitaram o dogmatismo metafisico do seu fundador e defenderam o probabilismo. É este ponto de vista de que as probabilidades, não as certezas, são possiveis e nos servem para os assuntos da vida, que tornou possivel o avanco da ciência moderna no século 17. Os dogmáticos, liderados por Descartes e os Racionalistas, deram contribuições para a matemática (geometria analitica e cálculo) mas não à fisica; enquanto os probabilistas, liderados pela Royal Society e os Empiricistas britânicos, tornaram a moderna ciência empirica possivel.

Enquanto o probabilismo em assuntos empiricos era defendido como razoável pelos cépticos, tal atitude era considerada irrazoável a respeito da metafisica. Um tipo particular de cepticismo metafisico (tambem chamado positivismo) é digno de nota: cepticismo teológico. Um céptico teológico levanta duvidas sobre a possibilidade de conhecimento acerca de Deus. Pode ser um ateu, mas as duas posições são distintas e um céptico teológico pode ser teísta ou agnóstico. Ele mantem que não podemos ter a certeza sobre se Deus existe. Isto não implica que seja ateu. Ele não exige que aceitemos apenas proposições absolutamente correctas. Contudo, alguns defendem o ateísmo com base em que existe maior probabilidade de que Deus não existe do que da hipótese contrária. Um teísta pode discordar e achar que a probabilidade é diferente. Um agnóstico defende que nenhuma das posições é a mais provável.

O cepticismo teológico baseia-se na natureza das afirmações metafisicas e da mente humana. Afirmações teológicas transcendem os limites do conhecimento humano. É por esta razão que alguns cépticos afirmam que a revelação por Deus é necessária. Em geral, os cépticos são ateus e completamente indiferentes aos argumentos do cepticismo teológico. Estes cépticos podem ser ateus apenas porque consideram que existe pouca ou nenhuma prova da existência de Deus.

Para alem de fornecer duvidas filosóficas à metafisica, alguns cépticos apontaram os seus argumentos a questões especificas. Uma das mais importantes figuras na história do cepticismo é David Hume (1711-1776), cujos argumentos contra a crença em milagres é ainda considerado por muitos como o melhor argumento na história do cepticismo. De facto, Hume esperava que o seu argumento servisse como "um duradouro teste a todo o tipo de ilusões metafisicas." Basicamente, Hume argumenta que pela mesma razão porque é razoável evitar o cão que nos tenta morder, é razoável rejeitar afirmações de milagres. Milagres afirmam que uma violação das leis da natureza ocorreu. As leis da natureza baseiam-se na experiência. A experiência é o nosso guia para evitar o cão e deve ser o nosso guia no julgamento de relatos miraculosos. Aceitar algo como miraculoso é aceitar que a experiência não é um guia fiável, mas é o nosso unico guia em tais assuntos, a menos que abandonemos a razão e acreditemos com base na fé pura. Como ele eloquente e sucintamente coloca: "A miracle is a violation of the laws of nature; and as a firm and unalterable experience has established these laws, the proof against a miracle, from the very nature of the fact, is as entire as any argument from experience can possibly be imagined" [Hume p. 122]. A que outro tipo de superstições e ilusões poderiamos aplicar  o argumento de Hume? Parece-me que a coisas como homeopatia, canalizar, projeção astral, levitação, regressão a vidas passadas, cirurgia psíquica e outras que exigem que se abandone o guia da experiência. Afirmações sobre PES, contudo, não são cobertas pelo seu argumento, a menos que os seus defensores afirmem que ela ocorre fora do limite das leis da natureza. Enquanto afirmarem que a PES segue leis naturais que ainda não descobrimos, o argumento de Hume não se aplica.

Muitos cépticos concordarão que a Lógica é uma área onde o dogmatismo se justifica. O principio da contradição, que uma afirmação é verdadeira ou falsa mas não ambas, é aceite por muitos cépticos como verdadeira mas vazia. Tal verdade nada revela sobre o mundo da experiência. Para lá das verdades formais, tais como os principios da contradição ou da identidade, a maioria dos cépticos aceitarão que existem verdades semanticas, i.e., algumas afirmações que são verdade por definição. "Um solteiro é um macho não casado," é verdade mas não fornece informação sobre o mundo da experiência, nomeadamente como uma certa palavra é usada numa certa linguagem. Mas a afirmação é uma questão de convenção, não de descoberta.

O Cepticismo Filosófico nunca foi apresentado como um guia literal para a vida prática. Os primeiros cépticos não permitiam que um cão os mordesse apesar de poderem estar a ser enganados pelos sentidos. Mesmo se não podemos provar com certeza absoluta que um objecto é real, a experiência é um bom guia quanto à probabilidade daquilo que se segue: se um cão o morder, deve rasgar-lhe a pele da perna e ferir um musculo. Os cépticos não negam a realidade da percepção dos sentidos. A dentada de um cão dói e o mel sabe a doce. O que os cépticos negam é que para lá da mordedura do cão existe uma "essência de cão" ou que a  experiência de doçura quando se prova mel justifica inferir que "doce" é uma parte da essência do mel. Os cépticos não negam as aparências e o conhecimento subjectivo. Não negam que um cão a morder dói e que quem é mordido sofre. Os cépticos negam que é justificável inferir de experiencias subjectivas proposições indubitáveis sobre uma realidade que está para lá das aparências. Qualquer chamada a uma "realidade objectiva", uma realidade que transcende a experiência imediata, deve ser colocada numa linguagem probabilistica, na melhor das hipóteses.

Contudo, o antigo cepticismo era considerado um guia para a vida pelos seus defensores. O seu objectivo era a ataraxia, um estado de não perturbação, de paz de espirito. Negar as aparências não servia tal objectivo. Rejeitar o dogmatismo sim. Encontrar modos de combater o dogmatismo é ainda o elemento central do Cepticismo Filosófico. Certezas absolutas não são necessárias, de acordo com os cépticos, quer para a ciência, quer para o dia a dia. A ciência safa-se bem mesmo limitada às aparências e às probabilidades. Podemos encontrar guias para a nossa vida, incluindo principios morais, sem necessitar de certezas absolutas. Podemos perceber que principios nos levam melhor ao que desejamos: uma vida feliz e tranquila. Muitos cépticos filosóficos defendem um estilo de vida conservador, defendendo a natureza e os hábitos. Consideram que se devem seguir as leis e os costumes, incluindo os religiosos, do seu país natal. E acreditam que seguir os nossos apetites naturais é um bom guia para viver bem. Parece, contudo, que o conservadorismo social e politico, embora servindo bem a meta da ataraxia para muitos cépticos, é um non sequitur. Ou seja, tal posição não é uma inferência razoável de um cepticismo sensorial ou moral. O probabilismo defendido pela Ciência parece suficiente para uma vida prática igualmente agradável.

As filosofias dogmáticas teem-se tornado cada vez mais raras e a época da metafisica já terminou, indicando que os cépticos venceram a guerra contra os dogmáticos. A Lógica é a unica área filosófica onde ainda se fala de certezas absolutas sem corar. A hipótese de outro Platão ou Hegel surgir no século 21 parece minima. A maioria dos filósofos actuais degladiam-se com argumentos probabilisticos e a aplicação de principios lógicos aos conceitos.


Links

Hume, David. An Inquiry Concerning Human Understanding, ch. x "Of Miracles," (1748), Bobbs-Merrill, Library of Liberal Arts edition.

Popkin, Richard H. History of Skepticism from Erasmus to Spinoza (University of California Press, 1979).

Popkin, Richard H. "Skepticism" in The Encyclopedia of Philosophy, vol 7, pp. 449-461, ed. Paul Edwards (Macmillan, Inc., 1967).

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