Toque Terapeutico

O Toque Terapeutico (TT) chega brevemente a um hospital perto de si. A pratica está em alta entre as enfermeiras do Canadá e a espalhar-se por todos os Estados Unidos. em que medicina alternativa parece ter um direito obscuro emanando dos direitos do livre discurso e dos milagres. Não tenho objeções a que um adulto consinta em qualquer tipo de tratamento ou medicina que deseje. Se quer pagar a um shaman de outro planeta para uivar por ele como tratamento, é problema dele. Mas se quer usar o dinheiro dos impostos para isso, então tambem é meu problema.

O governo dos EUA deu ao Centro de Queimados da Universidade de Alabama em Birmingham (UAB) mais de 350.000 dólares para estudar o TT em vitimas de queimaduras. O Pentágono gasta dinheiro neste projecto sobre a égide de um nome bonito como Uniformed Services University of the Health Sciences (USUHS). E, na verdade, os shaman não vão tocar nos queimados; estes "praticantes de saúde alternativa" agitarão as mãos sobre eles e actuarão "como um sistema de suporte de energia humano até ao sistema imunológico do paciente estar suficientemente robusto para actuar sózinho." Estas palavras são da proposta que forneceu o dinheiro. Se quer ler algo sobre este estudo "cientifico", leia o numero de Julho/Agosto de 1996 do Skeptical Inquirer ou leia os documentos on-line.

Claro que os cépticos fazem face a um dilema sempre que confrontados com uma teoria metafisica e/ou pseudocientifica que deve ser cientificamente testada. Se criticamos os metodos, protocolos, standards ou resultados do estudo, somos acusados de ter uma opinião a priori contra seja o que for que não encaixe na ciência tradicional. Mais que isso, no caso dos métodos de curas espirituais da New Age, estamos contra um segmento crescente do publico armado com histórias episódicas de que a cura funciona. Se alguem tem posições a priori neste assunto, são os defensores das terapias alternativas. Partem para provar o que já "sabem" ser verdade. Não começam com a hipótese nula, tentando desaprovar uma conexão causal entre o TT e uma cura específica.

Os cépticos não se opõem, a priori, a estudos empiricos, mas a gastar dinheiro dos contribuintes para testes alegadamente "cientificos" de noções metafisicas. Não apoiamos gastar dinheiro de todos nós a testar afirmações baseadas em bases metafisicas que contradizem factos e teorias cientificas fundamentais. Finalmente, não apoiamos o gastar dinheiro em propostas feitas por pessoas cujas próprias propostas revelam uma enorme incompreensão de factos cientificos básicos, métodos de teste e formação de teorias. Se um grupo privado quer gastar uma fortuna a construir uma máquina de movimento perpétuo faça-o. O dinheiro é deles e podem gastá-lo tão bem ou tão mal quanto queiram. Mas não quero o dinheiro dos meus impostos gasto em testes ditos cientificos de hipóteses não empiricas. Por exemplo, pode-se testar se espetar uma agulha na orelha de uma pessoa é um factor causal significativo para deixar de fumar. Mas não é possivel testar a afirmação de que espetando uma agulha na lingua permite desbloquear o seu chi, essa energia espiritual que corre num universo paralelo ao nosso, e equilibrar o yin e o yang. Em resumo, se um fenómeno não pode ser observado excepto subjectivamento por "feeling", então não podemos fazer um estudo cientifico desse fenómeno.

Mais, não queremos testes de ideias baseadas em teorias que ou contradizem o actual conhecimento cientifico ou se baseiam numa incompreensão desse conhecimento. O TT baseia-se quer em crenças não-empiricas quer numa bizarra interpretação da fisica quantica. Por um lado esperamos que o Pentágono tenha cientistas a decidir quem recebe subsidiospara estudos cientificos, mas se tem, então são mais loucos que o chapeleiro da Alice. Por outro lado, espero que o Pentágono não tenha cientistas que dão subsidios a coisas como o TT, pois assim podemos dizer que os militares da USUHS estão tão mal orientados como alguns dos seus misseis.

O que dizem as pessoas que practicam e defendem o TT? Eis o que a UAB afirma:

"TT baseia-se na assunção de um campo de energia humana que se estende para lá da pele. A ideia por trás do TT é que o campo de energia humana é abundante e flui em padrões equilibrados na saúde mas é desviado e/ou desequilibrado quando na doença ou ferida...

Central à prática é a assunção de um campo de energia humano e um ambiente cheio de "energia de vida" que está tambem presente em todos os organismos vivos..."

Hmm. O "campo de energia humana" e a "energia de vida" são a mesma coisa? São mesuráveis pelos mesmos instrumentos ou termos pseudocientificos para substituir a noção admitidamente oculta de auras? Qual a natureza desta energia? É electromagnética? Ou não é observável, algo metafisico e misterioso como o chi? De acordo com os seus escritores:

"... A teoria quantica estabelece que toda a realidade é feita de campos de energia e mais de 99% do universo é espaço simplesmente... A nossa tecnologia actual não permite medir o campo de energia humano, mas para sentidos treinados, nomeadamente o tacto, o campo pode ser percebido e dirigido."

Por um lado, é suposto acreditarmos que o TT se baseia na fisica quantica, um conjunto aceite de teorias e factos. Por outro, temos de acreditar que o campo de energia em que o TT se baseia não pode ser medido pela tecnologia actual. Mais, devemos acreditar que existem algumas pessoas que podem ser treinadas para "sentir" esses campos de energia. Não só o "sentem" como o podem medir. Podem "dirigir" o que "sentem". Bem, sou o burro que não vê a natureza cientifica e empirica destes conceitos. Mas parece-me um pouco perigoso confiar na sensação de alguem que pensa que o que sente se deve a energias das quais nenhum cientista ouviu falar e pensa que esses campos de energia são os que interessam à fisica quantica. Deixava essa pessoa mexer no seu carro, quando mais no seu corpo? Não os queria nem perto..

Mas talvez me precipite na avaliação da teoria por trás do TT. Rebecca Witmer escreveu um artigo para a revista Healing Arts intitulado Hands that Heal: The Art of Therapeutic Touch. Ms. Witmer é uma administradora de uma companhia de seguros interessada na medicina alternativa.

Derivada de antigas práticas de cura, incluindo a imposição das mãos, o TT é um processo consciente de troca de energia durante a qual o praticante usa as mãos como um foco para estimular e aumentar a capacidade de cura natural do paciente. Na sua forma contemporanea, o Toque Terapeutico foi desenvolvido por Dolores Krieger, Ph.D., R.N., (Professor Emerita da Universidade de Nova Iorque) e o seu mentor, Dora Kunz, nos anos setenta. O TT é praticado por milhares de profissionais de saude em todo o mundo. Popular entre enfermeiras de muitos hospitais canadianos, o TT é ensinado em mais de 80 universidades e hospitais e foi incorporado no College of Nurses of Ontario 1990 Implementation Standards of Practice. O TT foi tema de numerosas dissertações e teses de mestrado, e em 1994, o National Institute of Health dos EUA atribuiu uma bolsa para estudo do TT. Para uma pratica de saude alternativa, o TT ganhou incomensurável respeito e interesse.

Mas merece o TT este incomensurável respeito e interesse? É realmente incomensurável? Se sim, é tanto como o campo de energia que os TTs supostamente canalizam. Qual a base empirica do TT? De acordo com a sra. Witmer

Os principios em que esta técnica se baseia incluem a aceitação do paradigma de Einstein de um campo energético complexo no universo (i.e., a existencia de uma energia de Vida fluindo através e à volta de nós). Mais, se a vida se caracteriza pelo intercambio de vária qualidades (qualities, no original) de energias, pode-se assumir que qualquer forma de obstrução- seja no organismo ou entre este e o ambiente- é contrário à tendencia da Natureza e portanto não saudável. Praticando o Toque Terapeutico, tentamos influenciar essa energia e restaurar a integridade desse campo. Deste modo, os praticantes de TT não praticam "curas" mas facilitam os processos de cura do próprio paciente, manipulando a energia do seu corpo e ajustando-a. Com o objectivo do equilibrio em mente, corpo e espirito, temos uma aproximação verdadeiramente  holistica.

Examinemos estas afirmações e as consequências que daí se tiram. Tanto quanto sei, Einstein não tinha um paradigma, muito menos um modelo ou uma teoria que incluisse a noção de "uma energia de Vida fluindo através e à nossa volta". Escreveu sobre trocas de quantidades de energia e muitos fisicos escrevem sobre, por exemplo, a transformação de energia mecânica em energia eléctrica, mas nem Einstein nem nenhum outro escreveu sobre a vida ser caracterizada por um intercâmbio das qualidades de energia. Duvido que Einstein compreendesse a expressão "vida é um intercâmbio das qualidades de energia". Eu não compreendo e gostava que a sra Witmer a explicasse, pois ela deve compreender. Pelo menos, ela sabe que daqui se infere que qualquer forma de obstrução- seja no organismo ou entre este e o ambiente- é contrário à tendencia da Natureza e portanto não saudável. Como ela sabe isto, não faço ideia. Penso que nem ela sabe, pois ela diz que "se a vida se caracteriza pelo intercambio de vária qualidades (qualities, no original) de energias, pode-se assumir que qualquer forma de obstrução- seja no organismo ou entre este e o ambiente- é contrário à tendencia da Natureza e portanto não saudável."

O que ela diz é que se assumimos a primeira noção podemos assumir outra. Ou talvez que se afirmamos que Einstein é a fonte da primeira ideia, podemos assumir qualquer coisa a seguir. Quem se pode queixar desta lógica? Em qualquer caso, examinemos esta nova noção, pois embora sejam assunções de uma falsa noção Einsteiniana, são ou verdadeiras ou falsas. Pode ser verdade que uma obstrução no organismo seja contrária à Natureza se por isso entendemos coisas como um bloqueio na passagem de ar ou uma artéria bloqueada. Se tenho algum destes problemas quero um cirurgião para desbloquear a passagem, não um mistico que agite as mãos sobre mim para mover o meu campo de energia.

Por outro lado, parece claramente falsa a afirmação de que é contrária à Natureza uma pbstrução entre o organismo e o ambiente. Se há algo mais natural que obstruções entre organismos e ambiente, não sei o que é. Para a maioria dos organismos, o seu ambiente é obstrutivo. Se é saudavel ou não não posso dizer, mas parece-me obviamente verdadeiro.

Finalmente, o que significa dizer que é doentio ser contrário às tendências? Os furacões, as inundações, o raio e o terramoto são contrários à Natureza? Como o podem ser se são parte dela? Se pudessemos evitar que essas forças naturais destruissem vidas e o ambiente, isso seria "doentio"?

A "teoria" do TT parece não ser mais que um pote de antigas crenças com uma versão esquartejada de fisica quantica. Espero que se alguem pedir a um comité cientifico dinheiro para testar esta teoria lhe indique a porta de saida. É uma teoria metafisica mascarada de bases cientificas. Em resumo, um paradigma de pseudociencia: uma teoria afirmando ser cientifica quando não o é. 

Agora, podemos perguntar-nos porque um grupo de pessoas inteligentes, altamente treinadas como as enfermeiras são atraidas por algo como o TT. A sra Witmer pode ter a resposta. Ela escreve

Os que praticam o Toque Terapeutico muitas vezes relatam beneficios para os próprios. Por exemplo, a capacidade do TT reduzir as queimaduras parece bem documentado.

Posso compreender os benefícios. Tem poderes que os médicos não teem. Poderes misticos, secretos, que só você pode medir. Ninguem pode provar que está errado. Torna-se o shaman e descobre que as pessoas acreditam em si. Você gosta disso. Recebe respostas positivas. Sente-se revitalizado, mais poderoso.

Mais, pode estar a caminho de algo. Encontra pacientes que não se negam às suas noções estranhas. De facto, descobre que as pessoas estão decididas a experimentar qualquer coisa que os ajude a ficar melhor. Começam a fazer perguntas sobre o TT. Em breve pedem-no. Descobre que pode calar os cépticos com frases como "que mal pode fazer?".

Tente visualizar isto. No futuro, os hospitais estão cheios, dentro e fora, de pessoas a rezar, vibrar, abanando paus coloridos, cantando, queimando incenso, enviando "vibrações", etc. Médicos e enfermeiras não conseguem estacionar pois os lugares estão ocupados por curandeiros espirituais da New Age. Ou, mais realisticamente, visualize isto: os hospitais oferecem cada vez mais curas espirituais não testadas e intestáveis da New Age como parte do seu plano de "medicina complementar". Estas tretas tornam-se uma estratégia de marketing. O paciente quer esses tratamentos da New Age. Que mal existe em lhes oferecer isso juntamente com o tradicional. A competição vai tratar disso. E, quem sabe, talvez um dia um governo obrigue os hospitais a oferecer qualquer técnica alternativa de tratamento existente no planeta debaixo da bandeira da "igualdade".

Mas chega de negatividade! Procuremos um reflexo dourado em cada nuvem escura. Há algo de bom que talvez venha do TT e outras modalidades da New Age. Ele junta os pacientes e os profissionais de saude como pessoas. É suave e contrasta com o frio e impessoal ambiente em que somos tratados nos nossos hospitais. Talvez leve a uma mudança de como os médicos tratam os doentes. Talvez mais médicos comecem a tratar os pacientes como um ser humano com sentimentos, esperanças, desejos e ansiedades, para lá de um corpo que pode estar a funcionar mal ou quebrado. Talvez a medicina tradicional se torne um pouco mais humana. Se sim, talvez menos pessoas sintam necessidade do TT e das suas irmãs.

Podem dizer que não ligo às histórias contadas. É verdade que não dou peso a testemunhos. Contudo, menciono um. Alguem colocou na web uma história chamada Cancro tratado por TT. É a história do tio do autor a quem os médicos disseram que tinha cancro, a quem dois meses de radiações de nada serviram e a quem os médicos deram dois meses de vida. Vamos assumir que o médico era oncologista e que fez tal predição. O autor afirma que isto foi há nove meses e que o tio está "vivo e bem" graças a um curandeiro espiritual que tratou o cancro com TT. Eis como funciona

O curandeiro dirige a sua energia para o corpo do paciente sem o tocar onda a onda. No nosso caso ele coloca as mãos sobre o peito do meu tio e move-as devagar sobre os pulmões durante cerca de 30 minutos.

É possivel que o médico se enganasse na sua predição quanto ao tempo de vida do paciente. Talvez o erro ensine o médico a não ser tão orgulhoso nas suas predições. Ou talvez o tio e o sobrinho não tenham compreendido completamente o médico que pode ter feito a predição de um modo qualificado, como "o meu palpite é..." ou "baseado em casos similares, estimo que..." É possivel que o médico se enganasse no tratamento por radiações. É possivel que o cancro tivesse uma remissão espontanea. É possivel que o diagnóstico estivesse errado e fosse mal tratado e só esteja vivo porque os médicos o deixaram para morrer. É possivel que o autor esteja a mentir. É possivel que o TT tenha funcionado neste caso. Mas o que é mais provável?

Vamos assumir que existem pessoas que são capazes de mover electrões com os seus dedos, pois é isso que devem fazer para alterar os campos de energia de que fala a fisica quantica. Como é que essas pessoas se movimentam durante o dia? Se alguem se aproximar corre o risco de ter a sua estrutura molecular alterada? Não deveriam ser seguidos por explosões atómicas enquanto libertam energias no mundo subatómico? Os objectos à sua volta não deveriam transformar-se devido às deslocações de energia? Não deveriam poder atravessar paredes? Em resumo, não deveriam os que teem tais poderes serem facilmente identificados? Se os seus poderes são tão reais, devemos gastar mais dinheiro a testá-los?


Adenda: Los Angeles Times. 31 Março 1998. Emily Rosa, de nove anos, publicou um artigo no The Journal of the American Medical Association que destrói uma das principais afirmações dos defensores do Toque Terapeutico. "Os que praticam a técnica afirmam que um campo de energia emana de cada pessoa e é detectável acima da pele. O curador move a sua ou as suas mãos sobre o corpo do paciente para modificar o campo. Não é necessário tocar no paciente... Emily montou um ecran de cartão através do qual os praticantes de TT colocavam as mãos. Com a visão bloqueada, ela pedia-lhes que identificassem qual das suas mãos estava mais próximo dela." [Los Angeles Times]   "Os praticantes localizaram correctamente Emily 122 (44%) de 280 tentativas, que não é melhor do que seria de esperar se se adivinhasse à sorte. Aí seria de esperar um resultado de 50%." [Stephen Barrett]


Links

Clark, Philip E. and Mary Jo Clark, "Therapeutic touch: Is There a Scientific Basis for the Practice?" Nursing Research, 33 , Jan/Feb 1984.

Hover-Kramer, Dorothea. Healing touch: a resource for health care professionals com contribuições de Janet Mentgen, Sharon Scandrett-Hibdon (New York : Delmar Publishers, 1996).

Selby, Carla and Bela Scheiber. "Science or Pseudoscience? Pentagon Grant Funds Alternative Health Study, " em Skeptical Inquirer, Julho/Agosto 1996.

Williams, Susan M. "Holistic Nursing," em Examining Holistic Medicine (Buffalo: Prometheus Books, 1989).

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